sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O que te faz feliz?

Ao descer da máquina ela olhou pros lados pra ter certeza que estava realmente tudo vazio. Como de costume foi até o banco que sempre lhe esperava nas noites de Natal, sentou-se, abriu sua cesta e tirou de lá um lanche, o qual dividiu com o cachorro que observava o ato. Era seu quarto Natal na mesma estação. Sem ninguém pra contar histórias começou a falar com o cachorro que afinal, pela gratidão, ouvia tudo como se fosse a voz da senhora uma música de ninar... Ao terminar, em um breve descuido a cesta caiu ao chão esparramando balas que mais tarde seriam distribuídas a meninos de rua... O cachorro cheirou todas sem comer nenhuma, o que despertou uma enorme vontade de rir na senhora... "O que te faz feliz, cachorro?" Era o quarto Natal na mesma estação, e o primeiro com risadas e ecos...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Novos escritores

Cada vez mais o blog toma a cara que tem que tomar. Um sorriso, um olhar, um simples gesto já é motivo pra novos textos... novas protagonistas... Abaixo um texto de um escritor que enxergou novas belezas e pediu que eu postasse o texto...
"O que fazer quando se sente algo por alguém que não se devia sentir? Pode ter sido só atração, só encanto, só uma pequena paixão ou até mesmo nem tanto. Pode ter sido só um olhar, ou outros mais, de cá e de lá, de canto, de perto, de trás. Aliás, que bela vista me traz... Cabelos negros, queimados com o sol litoral, molhados com a água de sal, cobrindo um rosto de cunho angelical. E esse, nada condizente com sua voz, aveludada como de uma cantora, limpa, forte e encantadora.
E depois desse tempo todo em minha mente me pergunto: O que se encontra atrás dessa pessoa? Uma menina risonha, uma jovem impossível ou uma mulher inesquecível. Sedução. Essa é minha descrição. Seja sem querer ou não, é sedução.
Esse fascínio não é proibido. É imoral e irracional, mas não proibido. Nada é proibido. O problema foi o tempo. Rápido demais. Se tivesse demorado, talvez tivesse até desencanado. Mas ficou a lembrança e o gosto de quero mais. E esse mais, é só pra olhar, e perceber por esse olhar, se é passageiro ou se irá guiar, por muito tempo ainda, a minha vida, minha memória, meu pensar. E mesmo agora, ainda me pergunto antes de partir: O que fazer quando se sente algo por alguém que não se devia sentir?"

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O melhor tchau do mundo!

"Vamos, quero te mostrar algo."
"Mostrar o que?" perguntava Gislainne...

Não era nada com a corrente com o nome. Era com os olhos... Esses miravam e acertavam qualquer um que os colocassem à prova. Qualquer um que os encarassem. E depois, qualquer palavra mal falada, qualquer puxada de "r" e qualquer besteira das mais inocentes era motivo pra maior armadilha do mundo: o sorriso...

Às vezes se calava tanto que o tanto dava margens para o pensamento ganhar força. E deixava a dúvida pairando no ar... Talvez não há mangueiras e nem rios que posssam esconder tamanho mistério quanto aqueles olhos... Ainda assim, com toda sintonia que escapava ao balanço do navio, foi difícil o acordo...

"O que você quer me mostrar?"
"O melhor tchau do mundo..." risos.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A solidão de Renata

Em meio a tanta gente ela estava só. Não aceitava nada. E não foi um, nem dois e nem três que tentaram sem sucesso sentar na cadeira vaga ao lado dela. Não aceitava nem ao menos a gentileza masculina de um rapaz que ofereceu pra acender seu cigarro. Enquanto sua amiga ia e vinha das várias idas ao banheiro, Renata ficava só. Parecia que buscava um momento só seu. Embaixo das estrelas que ninguém via no céu de Belém ela sentia o vento que ninguém sentia. Mal sabia ela que alguém observava tudo e que os detalhes daquela noite ficariam registrados... Mal sabia ela...
"Pra que você quer saber meu nome?"

domingo, 29 de novembro de 2009

Belém, Belém...

Te engane se quiseres. Afinal, a cidade porta de entrada pra Amazônia é porta de entrada pra muitas outras coisas também. É claro que a beleza dos rios, os animais dos parques, o clima quente e o vento na estação da docas nos faz entender o que um tal escritor viu por essas terras. A presença indígena que ora é encontrada nos lábios de belas mulheres e ora na face de outros homens, nos faz entender também quem é o real invasor daqui. Essa coisa de raiz que pode não nos afetar muito em um primeiro momento, traz outras indagações. Fato mesmo é que a antiga chuva diária que servia de horário pra compromissos já não existe mais (salvo em época específica do ano). Talvez fruto do desmatamento, talvez fruto de qualquer outra coisa que distancie os pensamentos do gado e da soja. A outra porta de Belém pode ser a da prostituição. Belas meninas que se vendem a um preço qualquer ou que são exportadas pra Europa. Outro fato, pungente à qualquer grande cidade, é a violência. E Belém não fica atrás... Aliás, está muito a frente. No entanto, o som do carimbó nos remete ao que o Norte tem de bom. Especiarias sem igual, peixes diversos e frutas deliciosas. Rios dos quais a outra margem se perde de vista e um cenário turístico com uma arquitetura europeia. Prova dessa fidelidade é o feriado de independência, comemorado um ano e alguns dias após a data real. Junte a tudo isso uma infra-estrutura cultural e comercial sofisticada, um português falado corretamente e cidades vizinhas com um grande crescimento econômico (caso de Ananindeua). Como qualquer grande cidade, Belém ilustra que a moeda possui dois lados. Cabe a cada um decidir pra qual se quer olhar...

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A Paixão de Claudia

Entre os raios da manhã e o arrastar das cadeiras dava pra imaginar como seria o dia. Um telefone que não para, uma agenda apertada, um computador de planilhas e no horizonte um cheiro de café. Foco! Uma reunião aqui, outra ali, uma liberação aqui, uma decisão ali, mais e-mails e mais planilhas. Fotos! Se a cor não ficar no tom muda o tom do dia. Muda a vida, troca o slogan, fecha o jingle, porque agora sai o promo. Sono! E se seu dia não tem marketing faça o marketing do dia. Sorria! Se pro orçamento falta tempo usa o espaço do comops. Drops! Algo a mais do que balas e cafés a manterá acordada, viva...
Logo que eu chegava, entre os raios da manhã e o arrastar das cadeiras, dava pra imaginar como seria o dia. E além da certeza de que os mesmos raios da manhã invadiriam o escritório refletindo a luz em qualquer caneca de café, uma outra certeza eu tinha:
Claudia era apaixonada pelo seu trabalho!

domingo, 25 de outubro de 2009

Foi um prazer...

Prazer, eu sou assim...

No pressionar de um botão todo um ciclo começa. Milhares de canais modulam ondas eletromagnéticas emitidas por antenas em freqüências com milhões de ciclos por segundo de uma invisível que não se compara a qualquer pulsação humana.
Aliás, batimentos por segundo e impulsos elétricos se difundem quando por algum acaso do dia, ou por alguma probabilidade agradável essas ondas me procuram e me acham seja lá onde eu estiver.
E assim, meus sinais continuam atravessando casas, prédios, vão de uma ponta à outra em segundos. Em um piscar de olhos ativam 73 músculos que se contraem voluntariamente em busca de um sorriso. Então, numa explosão de alegria são milhões de músculos ao dia e milhões de emoções que atravessam quilômetros graças a uma boa nova presente em sua boa nova vida.
Passo dia levando informações aos mais variados locais e uno as mais variadas pessoas. Canto, toco, gravo, escrevo e quando você quer se desligar eu te desperto para mais um novo dia.
Faço papel de cupido, pombo-correio e aceito qualquer outro nome que me derem. Vim para quebrar barreiras, unir o que antes não se podia. Sou uma ponte que une o pensamento, a vontade e a realização.
Prazer, meu nome é celular. Um rádio para proporcionar algo que hoje se tornou indispensável: A comunicação. Com certeza, fomos apresentados antes e eu já te adianto. Foi um prazer enorme... Ops! Um momento...

- Alô Ma, é o Gui, tudo bem? Que saudades...

Onde eu estava...?
Ah sim! Posso te adiantar que foi mesmo um prazer enorme te conhecer...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Ponta do Seixas


Será que é isso mesmo que devemos esperar? E se um dia ele não vier? Sim, mas ele sempre vem. Diariamente, como se fosse dar uma volta. Uma volta completa, aliás. Afinal, é ele que nos observa. É ele que nos toca. E se ele não sabe porque viemos parar aqui, sabe ao menos pra onde vamos, porque sua tarefa diária que nos mantém. Um favor desses deixaria qualquer um louco em contentamento. Faça um elogio à alguém e quando ver aquele sorriso incontido escapando pelos lados entenderá qual o sentimento de um feitor de favores quando agradecido. Ao se levantar da rede sentiu uma leve brisa. Pensou por um momento em voltar mas já era tarde pra desitir. Se espreguiçou e pulou o pequeno muro que mais parecia uma divisa simbólica. Andou pela Rua das Jangadas pensando se não deveria pegar a dos Coqueiros e quando deu de encontro com a areia voltou a se perguntar. "E se um dia ele não vier?" Se perguntou mais pelo hábito de se perguntar qualquer coisa do que pelo medo de que isso um dia realmente aconteça. Talvez Ele goste da surpresa de ser recebido assim com o primeiro bom dia das Américas. - Bom dia Sol! O velho disse com um sorriso disfarçado que quase escapava pelos lados. Afinal, no final daquela ponta, já não custava nada uma ponta sua de gentileza.
Ponta do Seixas = ponto mais oriental da América

sábado, 15 de agosto de 2009

Boa noite, Samara!

Entre toques de tamborim ela sorria. Algumas vezes das besteiras que ouvia, outras pelo simples fato de estar feliz. A cor de mel de seus olhos fazia com que todos os olhos ao redor passassem desapercebidos e quando abria um sorriso trazia a perfeita combinação da beleza feminina. Alguma coisa em Samara era diferente de todas as outras e linhas e linhas não atingiriam a plena explicação da realidade. Às vezes ela até ensaiva um samba que pouco durava. Talvez fosse sua timidez inexplicável. Mas seja lá quem estivesse no palco a estrela da noite era uma só...
- Eu só bebo destilados - sorrisos.
Difícil entrar no mundo de Samara. Seu sorriso deixa a impressão de que é preciso sempre usar da simpatia... No final do samba, já em outro cenário, um abraço de boa noite...
O som do carro tinha o som do tamborim, mas nem de longe trazia o belo sorriso de Samara.

domingo, 9 de agosto de 2009

A velha novela

No seu copo a dentadura. Enquanto menina pensava em como faria da sua vida algo especial. Nada que as radionovelas não fizessem alimentar tais pensamentos. E assim ela ia. Vivendo uma vida que não era sua. Esquecendo do seu próprio drama, se confundindo com seus sonhos. Em uma tarde dessas em que não há nada pra se fazer ela descobrira um novo vício. Rever. E não é que a sensação era quase a mesma? Deitava e quando se dava por si já era quase noite. Nessas noites de calor ela sentia um cheiro que logo escapava. Lembrava festas de São João. Logo vinham músicas na lembrança. O mundo foi tão puro já! Mas isso era antes. Quando suas amigas não eram as velhas telenovelas...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Na rua

Ele atravessa a rua desarmado. Pra isso levanta a camiseta mostrando que está só. Talvez nem queira disfarçar. Ele precisa causar impacto. Olha pro primeiro carro e diz:
- Tia, eu não sou ladrão não... O carro acelera. É a minha vez.
- Tio, vc tem algum trocado? Procuro. Acho R$ 0,50 no console. Entrego.
- Obrigado. Posso te pedir um favor?
- Pode... - digo desconfiado.
- Eu tenho uma filha, Giovana. Preciso chegar em casa esta noite com R$ 6,00. Só consegui isso - mostra a mão com poucas moedas - Será que vc não tem mais nada?
Procuro. Entrego mais duas moedas de 0,50.
- Obrigado.
O medo de um possível assalto passou. Talvez a possibilidade que ele tem de me assaltar e não querer, seja a mesma de eu poder ajudar e não fazer. Talvez nem exista Giovana. Quem pode saber?
Um outro dia, no mesmo farol, ele me pedia ajuda pra sua filha Ágatha...

sábado, 23 de maio de 2009

Juliana não falou quem era

Um lugar amplo. Muitas mesas, muitas gravatas e por mais que as vozes se confundissem no local era a dela a que mais possuía musicalidade. Seus feitos não eram os maiores do mundo, mas tudo o que contara parecia que tinha uma leveza, uma certa despreocupação de que tudo iria caminhar sempre bem. Despreocupação que de fato não existia. No entanto suas conquistas até ali mostravam que o que realmente somos fica do lado de dentro. Algo que não se mostra tão óbvio quanto parece. Apesar das pessoas se acharem tão importantes é na simplicidade que mais se perdem. Enquanto ouvia sua história, ora prestava atenção em seu sorriso e ora em seu olhar. E esse último parecia um lago que só quem realmente mergulhasse poderia encontrar algumas respostas. De repente, uma vida foi passando e formando uma bela mulher... A que hoje se apresentava, simples, em meio a tanta gente que se acha importante num restaurante em uma das ruas mais ricas de São Paulo. Mesmo assim ela poupou os detalhes. Na verdade, o que se queria mesmo era comprovar que velhas amizades se mantêm vivas independente do tempo.
Juliana não falou quem era... Nem precisava, pois seus olhos se encarregavam de tudo.

domingo, 3 de maio de 2009

"Menina" do Rio

message in a bottle: texto melhor lido com a música Falling Slowly de Glen Hansard e Marketa Irglova

Menina do Rio

Quando se demora muito pra encontrar alguém de novo algumas perguntas sempre são feitas. Como você está? E o trabalho? Etc... Mesmo que as respostas sejam as mesmas, e elas são, certas perguntas sempre são feitas. E foi assim até chegarem ao centro da maior cidade brasileira. Talvez até lá um estava menos interessado que outro nos assuntos que não lhe diziam respeito. Ele comentou de seus planos que eram vários pois alguns poderiam dar errado. E por ser motivo de risos ela o pediu que contasse sobre seus projetos.

Pra quê? Pra você rir deles?
Isso!

Eles chegaram até a Av. Ipiranga com a São João pra tentar ouvir a estrela solitária, conforme descreveu Caetano. Mas chegaram tarde a tempo de ouvir só duas músicas e não virem Marcelo Camelo se despedir. Eu não sei o motivo da distração da garota que, se estivesse aqui corrigiria garota para adulta, mas ele tinha seus motivos pra estar distraído. Pensava que se Caetano ou Camelo a vissem talvez tentassem escrever algo sobre a beleza daquele sorriso. No meio das avenidas mais famosas de São Paulo o que brilhava era uma "menina" do Rio que por alguma curiosidade aquariana ou pelo seu senso de justiça quis comparecer à virada cultural. Seria tão difícil explicar tudo. Seria como tentar explicar o ar de São Paulo. Seria como tentar explicar a sensação de um abraço da "menina" do Rio.
Quando se demora pra encontrar alguém de novo as promessas feitas não são cumpridas e aí fica aquela coisa de falar por falar.

Vamos marcar algum dia de...

Talvez um dia ele conte mesmo sobre seus planos. E talvez algum desses planos tenham a "menina" com participação ativa. E talvez esses planos são aqueles que ele considera que vão dar errado... rs... Talvez...
As coisas podem ser construídas aos poucos.

Porra Guilherme, eu sou uma mulher...

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Obs: seria mais engraçado um funk, mas eu ainda prefiro o meu texto... rsrs

Vc passa gingando, teu gesto não me grila
Sainha apertada, decotada é a Camila
No funk do meu lado, a mina é alto astral
Eu fico só pensando se ela pega...
Talvez no seja assim, tão fácil de dizer
A mina tá achando q eu não sou de proceder
Às vezes eu me arrisco, às vezes eu me iludo
mas se vc é a Coca, eu sou o seu canudo

terça-feira, 21 de abril de 2009

Foi o vento...

Foi o vento...
Foi ele que me fez ligar, me fez esperar, me fez aceitar e me fez arriscar. Naquela noite eu não pensava em muitas coisas, não tinha nenhuma pretensão. Quando eu fui perceber já não era a primeira noite. E em uma delas ela chorou. Se sentiu confortável pra contar sobre o seu drama. Sobre a sua vida, os seus problemas. E aí eu também já estava envolvido. Antes disso Bruna estava parada, seus cabelos voavam sobre a noite. Seu sorriso, que a muito não vinha, clareava, encantava, mas não me tirava o frio que batia inquieto, que antecipava o dia e confirmava a madrugada. Existia algo que agia nessa madrugada corroendo os metais e assobiando a cada curva de seu trajeto. Que trazia uma certa beleza na figura noturna de um velho trem abandonado. Na minha mente, entre todas as perguntas a que ressoava e que transbordava pensamentos era aquela que mostrava senão outra coisa a não ser a alma feminina. Ela já sem lágrimas me perguntava o porquê. No que eu insistia como se fosse uma fuga.
Foi o vento...

sábado, 18 de abril de 2009

Chicotes

Ele se perguntava, às vezes, por que? Ele via as pessoas se amontoando todos os dias enquanto o sol ameaçava ainda mostrar sua força. Pessoas indo atrás de coisas que certamente não queriam. Vivendo a vida que não sonharam. Alguns nem mais sonhavam. E ele se perguntava quem era o culpado? Quem tinha algo a ver com isso? Um abandono, um descaso. Seria uma pessoa ou seriam várias pessoas? Por que as coisas andaram por esse caminho? Enquanto homens chicoteavam outros na entrada do trem, uma senhora rezava. E chorava incomodando os muitos que estavam no vagão. Ele queria que tudo isso fosse uma mentira. Não se imaginava parte de nada. Nem de uma história. A única coisa que ele queria era entender o porquê de toda essa merda espalhada. No ápice do incidente a senhora deixou cair seu terço. Quando a porta abriu as pessoas enquanto saíam pisavam e chutavam o terço sem saber. Ao tocar na plataforma ele pisou no mesmo terço e o partiu em dois. Ele se perguntou agora se algum Deus tinha algo a ver com isso. Não imaginava que Deus pudesse ter decidido a decorrência da cena. Ele já não conseguia acreditar em mais nada. Somente em chicotes que estalavam no vagão.

domingo, 12 de abril de 2009

A cor da noite

Se eu tivesse que apostar apostaria no vermelho. Naquela noite a cor que prevaleceria seria a que captasse melhor o pensamento feminino. A música era o rock e as garotas cansaram do esmalte preto. Algumas ainda optavam pelo café só pra disfarçar a rebeldia. Mas era o vermelho que imperava nas mãos das mulheres. Era uma febre. Nos lábios de Talita o vermelho rescindia qualquer dúvida sobre a evidência da cor. Embora os lábios ficassem bem com qualquer cor que homem fosse capaz de criar. Essa predileção podia ter algo a ver com a Lua ou com um certo período diziam os leigos. Eu só assistia aquilo que era uma coincidência de cores. Mesmo assim foi possível notar as vozes espalhadas que completavam o local escuro. Um armagedon espalhava música sem saber das cores. Sem saber que alguém observava tudo. Sem saber que o vermelho era a cor da noite...

sábado, 14 de março de 2009

A vida nem é um filme...

Se eu fosse descrever esse dia (e é claro q eu quero), certamente o faria assim:

Ele chegou e as paredes já estavam riscadas. A chuva ameaçava cair caso não houvesse outra coisa pra fazer. Cumprimentou a moça, sentou, e conversaram sobre coisas que se conversam. O dia não era seu melhor dia. Aliás, pra nenhum dos dois eu assim posso dizer. Também, de fato as coisas mudaram. E elas sempre mudam...

Sua pele era muito clara e seus olhos de mangá não diziam outra coisa a não ser a confissão de sentir-se desconfortável. E ele não ficava atrás. Enquanto os desenhos passavam na televisão os dois conversavam sobre como as pessoas exigem coisas das outras. Como a relação humana, por coisas pequenas, pode se tornar extremamente complexa. Falaram sobre a crise, sobre o ensino estadual, sobre amenidades que ora ou outra mostravam que realmente as coisas mudam. Pessoas mudam. E a pegunta que eles queriam fazer um ao outro na verdade era o que realmente "permanece" com as mudanças. O que não muda? Será que só as lembranças sobreviveriam a isso tudo? Quem responderia as perguntas que nem tinham sido feitas? Os olhares dos dois de fato indicavam muitas coisas. Ele não quis bolo, refrigerante, nada que lhe fosse oferecido. Na verdade ele queria somente escolher as palavras certas, pra que tudo fosse certo e pra o que o dia passasse como outro comum.

Na hora da despedida ela o acompanhou até o portão. Um beijo no rosto, um abraço de lado e um olhar que já não fazia questão de dizer muita coisa, porque as horas passaram e não havia nada que encorajasse qualquer assunto mais íntimo. Durante o abraço a chuva apertou. Por um momento ele desejou que que a chuva não parasse e que o abraço não acabasse e que o tempo, sim, parasse e que o abraço de lado se encaixasse e que, se ainda restasse alguma coisa a dizer, que ela fosse dita sem palavras. É claro que nada disso aconteceu... Ao fechar o portão a chuva apertara de vez. Na cabeça dele só uma pergunta... Se a vida fosse um filme, o que ele aprenderia sobre tudo isso?

quarta-feira, 11 de março de 2009

Petit Gateau

Ela cansou de correr na direção contrária. Iria mudar o cabelo, as roupas, as músicas, os amigos, o emprego, a cidade. Iria deixá-los em prol do auto-desenvolvimento. Não gastaria horas no msn e voltaria a ler. Antes da revolução ela decidiu que deveria comer o seu último Petit Gateau e agir.
Foi ao Fran's, pediu o que era de seu interesse e desmoronou ao olhar adiante. Ele era lindo. Moreno, olhos que estão entre o verde e o castanho. Alto, camiseta branca, um ar de juventude ensaiada e de experiência por vir. Era o princípe que faltava em sua vida. Se dedicou a não olhar e percebeu que por um encanto ele a observava. Ele se levantou, caminhou em sua direção e pediu permissão para sentar-se em sua mesa.
Tremendo, nem percebeu os lábios sujos de sorvete. Assim conversaram. O rapaz pagou as duas contas e finalizou qualquer nova possibilidade de revolução.
No outro dia, ninguém ligou... E ela voltou a achar que corria em direção contrária...

domingo, 8 de março de 2009

Domingo

Os ladrilhos da calçada, os postes decorativos. Nas guias das ruas, vasos com plantas e flores. Cadeiras, mesas redondas, pessoas com óculos de sol e a tarde de outono. Acima das mesas guarda-sóis com propagandas de cartão de crédito. Serviços de vallet e um certo ar de calmaria. Ou de elite. Ela apreciava tudo. As flores, o clima, o garçom simpático, o chá, o pouco movimento dos carros, seu jornal...

Ai, ai! Somos tão bairristas! Por que esperar outra coisa de um jornal? Na coluna social uma foto de uma amiga antiga. Como se a cena já não bastasse uma tristeza a invade. Ela bebe o chá com pouca pressa. Mais uma tarde e uma noite igual. O vento fresco toca sua face. Ela lembra de outros tempos, quando tinha companhia e era querida. Na verdade ainda era, mas poucos demonstravam. Também, sua idade avançara, os filhos casaram, se mudaram e só restavam lembranças que não a deixavam sair do apartamento.

Antes de anoitecer se levantou com a ajuda de sua bengala. Pagou a conta indicando que o "a mais" era do garçom. Sorriu e foi retribuída com o mesmo. Seu sorriso era sério mas sincero. Andou com uma certa dificulade e postura, mas andou. Dois quarteirões depois, cumprimentou o porteiro, pegou o elevador, entrou em casa e a meia luz se reencontrou com o livro que lutava pra acabar. Amanhã, um dos filhos viria buscá-la. O que estivesse menos ocupado. Restava então, ler, adormecer e esperar por mais um Domingo. Onde tudo seria novamente igual...

sexta-feira, 6 de março de 2009

Conversa à toa

Não pude deixar de notar o diálogo das duas garotas à frente. Claro, estava observando algo que vai além das palavras, ou pra ser mais palpável, algo mais concreto. Eis o diálogo:

- Meu, você trouxe o bronzeador?
- Claro, quero ficar negra nesse verão...
- Falar em negro, que negro lindo o da frente, não?
- Nada. Pra mim, o negro mais lindo do mundo é o Denzel Washington...
- Quem? O do É o Tchan? (meus primeiros risos).
- Não, sua burra! Vai dizer que você não sabe quem é ele?
- Ah... o presidente?
- Que presidente?
- Ué... o dos Estados Unidos... não é o George Washington? (muitos risos meus).
- Não... você está louca? É o Barack Obama...
- Ah... é verdade... esqueci, como eu sou burra! (risos agora dela). Meu, posso te perguntar uma coisa? Sempre tive vontade mas tenho medo de rirem de mim...
- Pode falar... comigo não tem essa!
- O Barak Obama é parente daquele Obama Bin Laden?
- Afe... sorte que você perguntou pra mim... É Osama Bin Laden e eles não são parentes porque um é Obama e o outro é Osama.

Até tentei segurar a risada, em respeito a beleza das moças. Mas existe uma hora em que a espontaneidade dos fatos nos levam pra atividades do riso. Então, só posso dizer que, mesmo as nuvens tentando cobrir o sol pra que o ele não ouvisse tal conversa, ele se mostrou, com seus raios penetrantes contra o mar. Conversa à toa... Na praia e no verão brasileiro pode tudo...

sábado, 28 de fevereiro de 2009

A imponente voz de Aline.

As paredes eram beges. A sala era pequena e uma das paredes tinha vidros. Era possível saber o que as quatro pessoas faziam dentro da sala. No canto, os meninos ensaiavam toques em uma máquina de medição com a leveza de passos de ballet. Havia um certo silêncio. O chão semi-limpo mostravam marcas de sapatos. De vez em quando o ar condicionado avisava que estava vivo. Até então isso só era percepítivel pela temperatura de 20ºC.

Havia quadros e lousas com gráficos preto e brancos apontando aquilo que deveriam. Fazendo nascer controles. Apotando coisas, condenando isso ou aquilo sem dizer uma palavra. Apesar do silêncio ora ou outra um dos integrantes cortava a calmaria contando fatos e assuntos corriqueiros - pra não dizer outra coisa. O clima semi-corporativo da sala se resumia em tédio. Era preciso animá-la.

Um dia uma inesperada visita. Ela procurava um tal de rapaz que liberava aprovações no sistema para que o financeiro pudesse concluir o que tivesse que ser feito. Era esse o nome dele. Mas justo naquele momento ele não estava. Mesmo assim ela resolveu esperar.

Tinha a pele clara. Era magra e possuía lábio finos. Era decidida no que queria. Estava ali pra trabalhar e não pra outra coisa. Uma vez que teve que sair de sua sala então que fosse pra resolver o assunto. Às vezes o rapaz a observava em suas idas até o café. Mas isso bem depois da visita.

O rapaz chegou, sentou em seu lugar e olhou pra Aline. Observou tudo o que já foi descrito acima e esperou ela falar. Achou até que tivesse que arrancá-la as palavras, como acontecia com outras pessoas. De repente... O susto:

- Vc que é o rapaz da... ?
- Sim.
- Estou esperando você liberar os...
- Sim.

Era tudo o que ele podia falar. Durante as palavras de Aline algo aconteceu. Algo que só ele poderia explicar.

As paredes sorriram. Os gráficos ganharam cor. A máquina de medição pulava enquanto o aparelho de ar condicionado trabalhava com força pra manter a temperatura da sala - o que parecia inútil. Da boca de Aline saíam claves de sol. Os papéis ensaiavam vôo. A alegria virou música e sala triste agora era um arco-íris. Uma obra surreal. Um ensaio de carnaval sem regras. A imponente voz de Aline tinha esse poder sobre a sala. Poder que só o rapaz notara. Quando ela se calou as coisas esfriaram e tudo voltou a ser cinza. Já em sua partida a temperatura caiu pra 20ºC. Tudo voltara o normal.

Depois da visita o rapaz decidiu atrasar o seu trabalho todos os dias. Porque todos os dias ele gostava de ver algo a mais do que a alegria da sala.